quarta-feira, 23 de outubro de 2013

CAIXINHA DE RECORDAÇÕES

Ela sabia que não devia mais sofrer assim, mas insistia. Sempre mexendo nas gavetas a procura do álbum para poder olhar só mais uma vez aquele sorriso pelo qual era apaixonada. “É a última vez”, dizia ela, mas nunca era, e sabia que não.
Do fundo da gaveta retirou a “Caixinha de Recordações”. Fora esse o nome que ele dera à caixa ao presenteá-la no Dia dos Namorados, o primeiro Dia dos Namorados deles.
“Nossa, isso já faz tanto tempo!”, sempre dizia isso ao lembrar que já fazia anos que ganhara aquela caixinha, e ela [a caixa], cumprira com louvor o seu papel, pois guardava as mais belas recordações deles.
Na verdade, a caixa era apenas uma ponte para a sua memória, pois nela está encerrado bilhetes com juras de amor eterno, alguns brincos e anéis, fotografias [as mais “raras”, que não poderiam ser colocadas no álbum], cartas e outros objetos que, para ela, tem valor sentimental.

Todas as tardes, como num ritual, ela olhava o álbum “pela última vez”, depois abria com muito cuidado a caixinha, sempre no mesmo horário. Era a hora que ele, estivesse onde estivesse, ligava para ela para dizer “Eu te amo pra sempre!”.
E ao abrir aquela caixa, cofre de coisas maravilhosas, fiel dos seus segredos, ela era inundada por uma sensação de paz infinita e lembranças adoráveis. Lembranças que chegavam de uma em uma, tornando o seu dia melhor.

Namoraram anos, depois casaram, tiveram lindos filhos. Diziam que eles formavam um belo casal, o mais apaixonado que existia, e sem dúvida eram. Tinham uma cumplicidade ímpar, um entendia o que o outro desejava apenas com o olhar.
Mas, um dia, ele a deixou. Todos pensaram que ela não fosse suportar, até ela mesma pensou isso. No entanto, com a ajuda do álbum e de sua caixinha, sobreviveu. Porém sempre sofre ao perceber que essa felicidade não retornará.
Depois da partida – ela sempre diz “partida”, jamais morte – do seu amado, ela perdeu muito do vigor, da beleza juvenil, do brilho no olhar. Costumava dizer que há muito já não vivia, apenas existia.

Era chegada a hora de se despedir das lembranças e voltar para o cruel mundo real. Um mundo que ela dizia já não fazer parte, e às vezes, chegava a desejar com ansiedade a sua “partida” também, pois voltaria a encontrar o seu amor, e só assim seria feliz novamente.
Fechou o álbum, olhando mais uma vez o sorriso dele, pegou a caixinha com tanto cuidado que parecia levar uma criança em seus braços. Sussurrou dentro da caixa um “Eu também te amo pra sempre!”, e fechou a tampa devagar, fechando ali, a sua felicidade.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

CÍRCULO VICIOSO

Preciso de metas. Preciso de verbas. Preciso dela!
Por que “precisar dela” se tenho a mim?
Se tenho a mim, por que precisar do outro?
No outro eu posso encontrar a mim mesmo, que é justamente quem eu mais preciso no momento!
Momento...
Somos feitos de vários “momentos”.
E em qual momento devo agir?
Agir, ação. Sem noção. Sem noção, é como estou! Onde estou?
Estar, ficar, fincar, fincar as raízes e não mais sair.
Sem saída, ficar.
Estagnar.
Não viver a vida, apenas existir nesta vida!
Tédio! Tem remédio? Claro! Sair!
Sair, fluir, fugir, ir e não olhar. Olhar. Que olhar!
Olhar apaixonado, olhar desesperado, olhar triste. Triste. Triste despedida, triste partida. Partir. Preciso partir.
Preciso de metas. Preciso de verbas. Preciso dela!

terça-feira, 8 de outubro de 2013

OUVIR

Só o que ele quer é ser ouvido. Não precisa nem ser compreendido, apenas ouvido.
Bastava alguém parar para ouvi-lo [de forma sincera] que, com certeza, ele se sentiria melhor.
Até já tentou conversar com o espelho, mas se sentiu idiota ao perceber que a sua voz se perdia no vazio.
“Pelo menos, não é tão diferente quanto conversar com certas pessoas.” – Justificou, numa tentativa de diminuir o constrangimento que sentiu.
Fechado em seu mundo, em uma espécie de “autismo opcional”, não fala de si para os outros. Porém, nunca na vida, desejara tanto um ouvinte, como desejava agora. Mas tinha que ser alguém despido de preconceitos, e sem ser metido a sabe-tudo. Afinal, ele precisava apenas desabafar, não queria ter que ouvir qual era a “fórmula” para resolver seus problemas. Apenas queria contar sobre toda aquela dor que sentia, e faltava alguém para ouvir.
Um ouvinte sincero – era isso que ele buscava – para contar tudo sem se preocupar em medir palavras. Precisava da presença de verdade do outro, para poder contar a sua verdade.
Seria, então, o momento em que teriam que abandonar as máscaras e os papéis. Deixariam de representar, pois só assim, existiria a partilha verdadeira.
A troca, não de palavras, mas de sinceridade. A real intenção de ser útil ao outro, numa doação total.
Porém, ele ainda não encontrou esse ouvinte, e continua sua busca.
Pois só o que ele quer é ser ouvido.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

HOMEM DE LATA

- A fim de não-mais-amar, peço-lhe que me arranque o coração.
- E o cérebro?
- Ele fica.
- “Razão acima da emoção”, não é?
- Não, doutor... Só não quero deixar de pensar nela.

- O bisturi, enfermeira.