terça-feira, 27 de agosto de 2013

O [PRIMEIRO] ENCONTRO

Ele olhava de um lado para o outro. Estava bastante nervoso.
Usava um terno muito bonito, o cabelo penteado, a barba espessa estava impecavelmente bem aparada, muito cheiroso – como sempre – e muito nervoso também.
A esperava no mesmo restaurante e na mesma mesa. Deu uma gorjeta à banda para que tocasse uma música, a mesma que eles dois ouviram no primeiro encontro. Fazia anos que não se viam. Namoraram no início da juventude, mas tiveram que seguir caminhos diferentes e perderam contato.

Há alguns dias, ele estava em uma loja de chocolates. Olhava para os chocolates suíços, pois lembrava que eram os preferidos dela.
Uma senhora se aproximou e pegou alguns chocolates ao leite, ele olhou para o lado e a reconheceu.
“É ela!”, disse para si, ainda atordoado por ver ao seu lado, o seu grande amor.
Apesar da força do tempo se expressando através de suas rugas, ela conservava a mesma beleza de outrora.
Sem pensar direito, seguiu em sua direção.

- Você gostava dos amargos. - disse para ela.
- Desculpe-me, o senhor falou comigo?
- Você, pelo que me lembro - embora faça bastante tempo-, sempre gostou dos amargos.
- O senhor me conhece?!
- Sou eu, não se lembra mais? Estou tão velho e feio assim, é?

Ela o fitou por alguns segundos. Quando olhou para aquele meio sorriso com dentes perfeitamente alinhados e brancos e um olhar intenso, começou a recordar. E vieram-lhe as mais belas lembranças de sua juventude, do quanto se encantava com aquele sorriso e o quanto aquele olhar mexia com ela. E, mesmo com os olhos emoldurados pelas rugas, ainda permaneciam intensos.

- É você! Nossa, eu não acredito! - disse surpresa.
- Pois é. Nem eu estou acreditando.

Deram um longo abraço. Se dependesse dele, jamais a soltaria, não queria que fosse embora como da última vez. Fazia força para não chorar, mas estava em um vendaval de sentimentos, e ela como sempre, firme. Não parecia estar sentindo nada além da alegria em revê-lo.
Porém, isso era o que ele pensava, pois ela passou anos sofrendo por ter decido partir.

Terminado o longo abraço, permaneceram de mãos dadas, um olhando para o outro, sem trocar uma palavra. Precisavam de tempo para se acostumar com suas “novas” aparências. Depois desse silêncio necessário, resolveram quebrá-lo.

- Me diga como você está, além, de linda como sempre, é claro!
- Obrigada pelo elogio! Vou bem. Voltei pra cá há alguns meses e hoje resolvi comprar uns chocolates para os meus netos.
- Ah, neto! Então você casou!
- Pois é. Mas estou viúva há nove anos.
- Hum.
- E você, casou?
- Não, não casei.
- Nossa, é de admirar, pois sempre foi tão bonito, como é que nenhuma garota conseguiu laçar o seu coração?
- Porque ele já não estava mais comigo, já tinha uma dona que o levou com ela.

Ela baixou a cabeça, ficou um pouco desconcertada, tentou dizer algo, mas as palavras se perderam antes de chegar à boca. Quis dizer que foi preciso tomar aquela decisão, que mesmo o amando precisava seguir o seu próprio caminho, e que também sofreu com aquela decisão, mas não conseguiu dizer nada disso.

- Desculpe-me, é que está sendo tudo muito estranho para mim, e você sabe que sempre quero ter a última palavra, mas não foi minha intenção em constrangê-la.
- Tudo bem. Eu sei que tenho minha parcela de culpa na nossa história.
- “Nossa história”... “Nossa história”... É estranho ouvir isso assim, pois não partilho a minha história com alguém faz muito tempo. Na verdade, nunca partilhei com mais ninguém, desde que você partiu... Mas... Deixemos isso de lado, são coisas passadas e é lá que devem ficar. Olha, eu preciso ir, mas quero dizer que é um prazer imenso revê-la e, apesar das coisas que falei, não tive a real intenção em machucá-la, é só dor-de-cotovelo de um velho caduco.
- Não, tudo bem. Para mim, também foi muito bom te ver. E se você aceitar, eu gostaria de jantar com você qualquer dia desses.
- Claro, vou adorar! Pegue o meu número, e ligue quando quiser. Tchau!
- Vou ligar. Tchau!

***

Agora, lá estava ele, olhando de um lado para o outro, bastante nervoso.
Ela apareceu na entrada do restaurante. “Anda com a mesma leveza e beleza de quando era garota!”, pensou ele.
Em um lindo vestido verde, com um belo penteado e maquiagem. Como que flutuando, ela se aproxima.
Ele olhava para ela e via a jovem por quem fora perdidamente apaixonado, e ainda o era.
Aproximou-se da mesa, ele se levantou, beijou sua mão e puxou a cadeira para ela sentar.

- Demorei?
- Quarenta anos.
- Essa é a fala de uma novela.
- Nunca consegui ser original.
- Bobo.
- Esse sou eu.

Os dois ficaram conversando, rindo e relembrando todos os momentos maravilhosos que viveram juntos.
E a noite passou por eles como as noites de outrora, e vendo que já tinham que se despedir, eles ficaram em silêncio por um tempo, apenas gravando aquele momento e aproveitando tudo para torná-lo inesquecível e guardá-lo junto com todos os outros momentos bons.

- Bem, então é hora de dizer “tchau”.
- É.

Abraçaram-se com toda força que tinham. Os dois começaram a chorar e tentavam, naquele abraço, recuperar todo o tempo perdido.
Despediram-se, mas desta vez, foi um “até amanhã!” e não um “adeus!”.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

LIGAÇÃO

#Triiiiimmm#
O telefone toca. Corro para atendê-lo. Derrubo quase tudo que está no meu caminho. [#Triiiiimmm#] Eu sei que é ela pedindo desculpas. Pedindo pra voltar. Márcia é tão previsível. Sei que vai dizer que me ama e mais um monte de blablablá. Putz!! Nunca imaginei que a minha casa fosse assim tão grande. [#Triiiiiimmmm#] Atendo ofegante.

- Arf... Alô? Alô? Arf...
- Boa noite! Eu gosstaria de poder estar falando com o senhôr-r Rober-r-to Pompeu.
- Ah. É. Sou eu.
- Senhôr-r Rober-r-to, meu nome é Tatiana, estou falando em nome dos cartões de crédito Seu Crédito, e tenho uma ofer-r-ta imper-rdível para o senhôr-r.

Paro por alguns instantes, e me questiono por que essas meninas que oferecem cartão de crédito, falam tudo igual. Até parece pastor daquela igreja lá.

- Olha, obrigado, mas eu não tenho interesse.
- Mas senhôr-r Rober-r-to, o senhor ainda não ouviu a nossa propossta. E garanto ao senhôr-r que, ela é imper-rdível.
- Minha filha, eu não quero. E você ainda está ocupando o meu telefone. 'Tou esperando uma ligação importantíssima. Tchau!
- Mas sen...

#click#

Tive que desligar. Eles são insistentes demais. Volto para a cozinha. Tenho que terminar de fazer minha janta.
#triiiiimmm#
Caráca!!! Agora é ela!!! Eu sei que é. Consigo sentir isso. Márcia, Márcia. Eu sabia que ela não ia aguentar ficar muito tempo sem mim. [#triiiimmm#] Sei que tenho defeitos, mas também tenho ótimas qualidades. P#rra, eu não chego nunca a esse telefone?! Acho que vou comprar um sem fio.
Nota mental: Comprar um fone sem fio, ou então, emagrecer.
#triiiimmmmm...#

- Arf... Arf... Alô?
- Boa noite! Por favor, o senhor Roberto Pompeu.
- Sou eu. Mas se for cartão, eu já vou avisando, não quero.
- Não senhor. Não se trata de cartão. Aqui é da empresa de cobrança. É que o senhor está em débito com a loja de calçados Pé Descalço, e estou entrando em contato com o senhor para ter uma posição quanto à data de pagamento.
- Ahn, bem... Segunda-feira eu pago. Putz!! 'Cês aí trabalham até dia de domingo e uma hora dessas, é? Coitados.
- Pois é. Então, posso lançar essa informação no nosso sistema, senhor Roberto? Amanhã o senhor efetuará o pagamento, certo?
- Pode sim.
- Ok, então. Desde já, pedimos desculpas pelo incômodo e agradecemos a sua compreensão.
- Ok. Tchau!
- Tch...

#click#

Não tenho tempo para ouvir o seu “tchau”, meu amigo.
Volto para cozinha. Ela ainda não ligou, mas eu sei que vai ligar. Ah, se vai! Márcia, Márcia. Sempre foi dependente de mim, fico só imaginando o quanto deve estar sofrendo. Hmm... A comida está tão cheirosa. Acho que vou colocar mais um pouquinho de pimenta. Ela adorava esse prato, só não gostava da quantidade de pimenta que eu colocava. Hum. Acho que uma pitadinha disso também vai dar um “tchan” a mais. Melhor limpar essa mesa. O que será que ela está fazendo agora? Com certeza criando coragem pra me ligar. Márcia é tão previsível. Pronto, mesa limpa! Agora isso aqui vai para o fogão. Já, já, ela liga.
[#triiiiiiiiiimmmm...# #triiiiimmmmm...#] Ai, ai, ai... Agora é ela. Droga de panela! Ah, esquece, quando voltar, eu a apanho e limpo o chão. Nossa, será se eu já comentei que nunca tinha prestado atenção o quanto esta casa é grande? [#triiiiiimmm#] Já vai, já vai. Ô casa grande!! [#triiiiiimmm#]
Nota mental: Comprar um fone sem fio, ou então, emagrecer. Nota mental da Nota mental: Parar de falar sozinho. Ainda me internam por causa disso. [#triiiiiimmm#]
Atendo. Não falo, eu grito.

- ALÔÔ??
- Ai, não grita! Quem tá falando?
- Como assim, “quem tá falando”? Você quer falar com quem?
- Me passa aí pra Renata, vai.
- Caráca!!! 'Cê ligou errado, colega.
- E foi? Qual é o número aí?
- Com certeza não é o número que você deseja, pois aqui não tem nenhuma Renata.
- Mas você é muito bruto, viu?
- E você bem que poderia ir à merda!!
- Ah, vá...

#click#

Não tenho tempo para ouvir desaforos. Cozinha, aqui vou eu. Cacete!! Porra de tanta sujeira nesse chão!!! Vassoura, pá, e lá vamos nós. Ela tá demorando a ligar. Deve bem estar pensando que eu vou ligar pra ela. Rá! Não mesmo. Quem está com saudade é ela, e não eu. Ainda bem que ficou um pouquinho na panela. Dá pra aproveitar esse restinho. Opa! Já tá na hora de tirar a carne do forno. Hmmm... Se ela estivesse aqui, ia ficar com água na boca. Márcia, Márcia. Acho que vou preparar esse prato, quando ela voltar. Mas primeiro, ela terá que ligar pedindo desculpas. Coitadinha. Deve tá morrendo de saudades. Márcia, Márcia. Rá!
[#triiiiiimmm#] P*taquiupariu!!!
E lá vamos nós, novamente. Ela se deu mal. Resolveu me ligar justamente na hora que eu tô mal-humorado. [#triiiiiimmm#] Azar o dela. Afinal, poderia ter ligado antes. [#triiiiiimmm#] Ah, eu vou, mas vou sem pressa. [#triiiiiimmm...#]

- Oi?
- Oi, meu amor!!
- Ah, oi mamãe.
- Tudo bom, bebê?
- Sim, mamãe, 'tá tudo bem.
- E por que essa voz tão entediada? É por que tá falando comigo, é?
- Claro que não, mamãe.
- Você fica um tempão sem dar notícias, aí quando quero saber de você, fica assim, todo indiferente.
- Não, mamãe. Eu não 'tou indiferente.
- Claro que 'tá! É isso mesmo. Trate a sua mãe desse jeito. Depois que eu "me for”, queria voltar só pra ver a sua cara de remorso por não ter me amado enquanto podia.
- Mãe... É claro que amo a senhora. Só 'tou falando assim porque... Sei lá! Acho que 'tou cansado. É isso, 'tou cansado.
- Em pleno domingo? 'Cê não faz nada no domingo, como é que pode estar cansado?
- Ah, mãe, eu não sei. Apenas estou. Pronto.
- 'Tá bom, então. Vou te deixar descansar. Não quero ser um empecilho na sua vida. Não quero que chegue amanhã cansado no trabalho, e depois vai dizer que não pôde descansar porque a sua mãe não deixou. Tchau!
- Mãe, é clar...

#click#
#tu-tu-tu-tu-tu...# Putz!! Desligou na minha cara!!! Ai, ai... Amanhã ligo pra ela. Voltando à cozinha. [#triiiiiimmm#] Epa!! Ufa! Ainda bem que não cheguei a sair daqui. [#triiiiiimmm#]

- Pronto.
- A Renata, faz favor.
- Caceta!!!! Não tem nenhuma Renata aqui, seu retardado!!! Grrrr...

#click#

INFERNO!!! CARAMBA!!!! P*TAQUIUPARIUUU!!!! Vou arrancar a porra desse fio! Não quero mais saber de cacete de ligação nenhuma!! Ela que vá pro inferno!!! Nem que venha coberta de ouro, eu vou querer!! E eu sei que ela tá morrendo de saudade. POIS QUE MORRA!!!! QUE MORRA, MÁRCIA!!!


Enquanto isso, do outro lado da cidade, em uma boate.


- E aí Márcia, 'cê pensa em voltar pro Roberto?
- Nem morta, minha filha. 'Tou muito bem solteira. Aliás, 'tou muito bem, beijando várias bocas!! hahahaha...
- hahahahahaha... Mas falando sério... 'Cê não sente nem um pouquinho de saudade dele?
- Só quando preciso carregar algo pesado. rsrsrsrs...
- Como você é má! rsrsrsrs... Mas até que ele é um bonito.
- É verdade. Mas por falar em bonito, olha só, aqueles gatos dando mó bandeira pra gente. Vamos lá?
- Só se for agora.
- Hoje vou me esbaldar!!!

terça-feira, 13 de agosto de 2013

A LATA

Dois amigos – críticos de arte – caminham pelo Museu de Arte. Quando estão passando pelo corredor a caminho do próximo saguão se deparam com uma peça que os surpreende.

- Marcos, veja que peça fantástica!!
- Nossa, é realmente fantástica, Albert!
- Claro que não é de vanguarda, mas ela exala revolução! Pode não ser inovadora, mas arrisco dizer que é transformadora.
- Estou fascinado! O artista expressa-se claramente através da contracultura.
- Com certeza é prole do Dadaísmo. Há uma forte influência de Marcel Duchamp. Até podemos dizer que esta peça é uma parente distante da “Fonte”.
- Claro, claro! Mas, além de Marcel, me lembra também “Luxo” de Augusto de Campos. Você recorda?
- Sim, sim! É provável que “Luxo” tenha influenciado esta obra. Mas não podemos negar que está “impregnada” de Duchamp.
- Está impregnada de sujeira e mau cheiro. – diz um senhor que observava a conversa dos dois.
- O que você quer dizer com isso?! – pergunta Albert, surpreso.
- É! O que você quer dizer com isso?! – repete a pergunta, Marcos.
- Que isso está sujo e fede, ora!
- Você é crítico de qual revista??
- Eu? De nenhuma, senhor.
- E quem você pensa que é para criticar essa obra de arte? – pergunta Albert de forma teatral.
- Eu sou o zelador do museu, e tenho que recolher o lixo dessa lata aí que os senhores estão admirando, e depois, colocar a lata de volta no banheiro masculino. Se os senhores me derem licença... Isso. Obrigado!

terça-feira, 6 de agosto de 2013

DIA QUENTE

Dia quente! Na verdade, insuportavelmente quente! O escritório estava um verdadeiro caos, com pessoas andando de lá pra cá, com muito barulho e muito calor. Rafael que costumeiramente nunca se queixa de nada, estava impaciente, e só pensava em terminar seu serviço e ir embora para casa. Mas antes, planejava fazer algo.
Rafael tem trinta anos, é magro, alto e solteiro. Trabalha no escritório há dez anos, é um dos melhores funcionários, e há dez anos ele executa o serviço de Encarregado de Departamento, porém, somente há dois fora “promovido”. No entanto, a tal "promoção" fora de Auxiliar Administrativo para Assistente Administrativo, ou seja, é mais um funcionário que trabalha muito e ganha pouco. Como muitos, um escravo.
Porém hoje, está decidido a mudar o curso da sua vida no escritório. Disse para si mesmo que irá exigir algumas mudanças com relação à sua função e salário, e caso lhes neguem isso, pedirá demissão no mesmo instante. “Já decidi”, diz o tempo todo.
Seu chefe vem andando pelo corredor. “É agora” – pensou Rafael – “hoje ele não me escapa”. Rafael levanta-se.

- B-b-boa t-tarde, Sr. Macedo!

O senhor Macedo continuou seu caminho, sem parar, olhar, ou sequer responder. “Ele não percebeu que falei com ele. Deve ser por causa desse calor, ‘tá tirando a concentração de todo mundo!”, sentenciou.
Rafael senta-se e volta a fazer o seu trabalho que, há dez anos, faz tão bem quanto poucos.
“Já decidi. Amanhã ele não me escapa”, falou enquanto pegava uma pasta para abanar-se.