sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

RESPIRA*

- Respira.

Na verdade, ele não disse isso. Apenas pensou. Afinal, impossível falar quando se está submerso.
Enquanto afundava, esperava perder a consciência antes de tocar o fundo do mar.
Havia muita coisa acontecendo ao mesmo tempo... Sentia-se esgotado. Sem saída.
Deixou que a ideia da inexistência do amor tomasse proporções colossais em sua vida. E com o passar dos anos, se afastou gradualmente de todas as pessoas que se importavam com ele.
Inapto para seguir qualquer caminho profissional [pelo menos, era o que achava], pulou de emprego para emprego. E assim, as contas aumentaram.
Um dia, viu-se só, “desamado”, em um subemprego e com muitas dívidas. A única coisa que veio em sua mente naquele momento foi o mar. Sentiu saudade do mar que nunca vira. Nascido e criado longe do litoral, sempre se contentou com os rios e lagos de sua cidade. Nunca foi audaz para ir encontrar o mar. Porém, nesse momento de saudade e vontade, usou os últimos recursos que tinha – que eram poucos –, enfrentou algumas horas de ônibus até chegar na cidade litorânea mais próxima.
Viu aquela imensidão sentiu-se pequeno. Menor do que os grãos de areia que se espalhavam entre os seus dedos a cada passada.
Roubou um pequeno barco que estava ancorado na praia e partiu em direção ao mar aberto. Já distante, parou de remar.
Saltou.

- Respira!

            O coitado não parava de repetir isso para a esposa. Estava muito nervoso. Era o primeiro filho do casal.
E ela lá, em seu trabalho de parto, sentindo todas as dores do mundo, ainda tinha que aturar os gritos nervosos do marido.
            Sentiu vontade de dizer-lhe que não pretendia parar de respirar, portanto, ele não precisava mandar que respirasse. Mas sabia que, no fundo, ele só queria participar daquele momento. Era um bom marido e, tinha tudo para ser o melhor pai que aquela criança poderia querer.
Como se a coitada precisasse de mais dor, ele apertava a mão dela. Estavam os dois prestes a explodir de nervosismo e tensão.
            Por fim, a criança saiu. Em silêncio. Mãe e pai só tinham o mesmo pensamento.

- Respira...

            Repetia para o corpo inconsciente do irmãozinho.
            Os pais se preparavam para sair e proibiram os dois de se aproximarem da piscina. Mas tão logo saíram, ele desafiou o mais novo a dar um mergulho.
            Foram.
Então, começaram a brincar de tentar afogar o outro. Ele não percebeu que forçara tempo demais o irmão embaixo d’água.
            Desesperado, ergueu-o até a borda e sem saber o que fazer, só pedia que ele respirasse.

- Respira.

            Foi a primeira coisa que disse para o namorado quando desceram do carro.
Aquela fazenda ainda tinha cheiro de infância para ela. Apesar de ser da cidade, crescera fazendo visita constante aos avós. Tinha uma relação maior com a fazenda – consequentemente a vida no campo – do que com a “cidade grande”.
Viveu muita coisa boa lá e sabia que, a nova família que estava formando, também iria.
Ele, ainda tentando se acostumar com a ideia dessa mudança radical de vida, estilo, geográfica... Tudo!
Ela, boba olhava para tudo aquilo como se fosse a primeira vez.
O abraçou e só que queria que ele respirasse e sentisse como aquele ar era gostoso e o quanto iria fazer bem aos dois. Aos três, se corrigiu. Pois já carregava uma pequenina em seu ventre. Abraçou-o mais forte.

- Respira.



(*) TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NA REVISTA ELETRÔNICA "VEM-VÉRTEBRAS".

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

sábado, 12 de dezembro de 2015

LUZ VERMELHA*


A lâmpada que ilumina a entrada é vermelha. Um pouco chamativo demais pro meu gosto, mas há a necessidade. Afinal, em meio a tantos prédios cinza, se destacar é preciso.
Sou recebido pela mesma atendente de sempre. Ela me dá o mesmo sorriso de sempre e me pergunta: "A menina de sempre?". Para não fugir de todo esse ritual, respondo: "Sempre". É um jogo manjado de tão repetitivo, mas, fazer o quê, s'eu gosto de rotina?
Efetuo o pagamento na recepção mesmo. As moças não tocam em dinheiro e nem se discute valor com elas.
Lá dentro, ela já me aguardava. Quando me vê, oferece-me um sorriso tão gostoso que, quase acredito não ser uma transação comercial o que há entre a gente. Ela vem em minha direção, gingando, enrolando os cabelos numa mão e lançando-os para longe. Em cascata, aquele belo cabelo cacheado volta para seu lugar de origem.

- Pontual como sempre! – fala para mim ainda sorrindo.
- Pontual como um relógio britânico! – respondo.
- Na verdade, a expressão é: "pontual como um britânico" ou "preciso como um relógio suíço".
- Hum. Entendi. – digo.

Não, não entendi. E, provavelmente, em breve, esquecerei essa informação. Minha memória é uma bosta!

- Vamos? - me chama e estende a mão para mim.

Sinceramente, poderia passar o dia apenas segurando aquela mão. Pagaria apenas para segurar aquela mão! Seu toque sempre me enche de paz. Mas ela me oferece bem mais que isso.
Entramos no quarto.
O aroma é intenso e a conhecida tontura vem. Esperando por isso, sua mão já está segurando meu braço para me guiar até a cama. Me ajuda a deitar. Deito e sinto seu toque delicado em minha testa.
Dali a pouco, ela começa a murmurar suas palavras [que eu não faço a menor ideia de quais sejam!].
Ainda estou zonzo. E assim, permanecerei até o fim.
Vou me perdendo entre os sussurros, aromas, pensamentos e as mãos dela acidentalmente tocando algum lugar do meu corpo.
Então, a indistinguível frialdade da lâmina me traz um pouco de lucidez quando sua ponta toca meu peito. Dura apenas alguns segundos e antes qu'eu volte ao meu estado de torpor, a excruciante dor da adaga me invade. Sinto algo quente jorrar. Não é sangue. Ela é mestra nisso. Nem uma gota de sangue sequer sai. Porém, algo abandona meu corpo quando a lâmina perfura meu tórax.
Aos poucos, meu coração diminui a batida. A respiração pesa. O Mundo fica mudo ou eu fico surdo, não sei. Finalmente, vejo a luz.
Sempre me pergunto: será a luz vermelha da entrada que vem à minha mente nesse momento?
Morro.

***

- Acabou o tempo. - ela me acorda com sua costumeira voz angelical.
- Já? – esfrego os olhos como se acordasse. - Sei não, heim, mas acho que você está cada vez mais diminuindo o tempo! – protesto em um tom carinhoso.
- Você sabe que não é verdade. Sessenta minutos, como sempre. Menos do que isso, eu não consigo te trazer de volta.
- Então, deixa mais.
- Sessenta minutos. Nem menos, nem mais. Tenho até medo de pensar o que poderia acontecer se eu descuidasse do tempo. – diz isso e se agita toda como se um arrepio houvesse atravessado seu corpo.
- Você é a melhor! Nada aconteceria. Olha só – aponto para meu peito. - Nenhuma cicatriz. Como sempre!
- São coisas diferentes. – finaliza.

Aceno com a cabeça e espalmo as mãos indicando derrota nessa discussão.
Não tenho mais motivos para estender essa conversa, então, despeço-me e confirmo o encontro da semana seguinte.
Porém, antes de sair do quarto, ela segura minha mão e, hesitante, fala:

- Eu sei que não é da minha conta, mas... Você vem aqui toda semana e eu não sei qual é a sua motivação... Digo isso, porque quase todos vêm aqui para tentar rever alguém que perdeu, encontrar um deus ou algo do tipo.

E sem disfarçar o constrangimento, pergunta:

- E você?

Sorrio e respondo:

- Vou te deixar na curiosidade.

Como sempre, saio de lá mais vivo do que nunca.




(*) TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NA REVISTA ELETRÔNICA VEM-VÉRTEBRAS.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

PIRATA*


Ele se aproximou com o seu costumeiro ar superior. Roçou o corpo na minha perna como se fosse por acidente. Miou baixinho e olhou pra mim fingindo surpresa. Quase falando “Nossa, você estava aí?! Nem tinha visto”. Olhei de volta e lhe dei o meu mais amável sorriso. Pronto, a primeira batalha já estava ganha. A partir de agora, tinha a minha atenção e tiraria o máximo de proveito possível.

- Faz um carinho. – pedia enquanto se esticava todo em cima do sofá que acabara de subir.
- ‘Tou ocupado. Tenho que escrever uns textos aqui.
- ‘Cê faz isso outra hora. Faz um carinho em mim. – havia muita determinação naquele único olhinho.

Fiz um cafuné apressado, disse duas ou três palavrinhas carinhosas e voltei ao computador.
Ele parecia ter se dado por satisfeito. Ou, pelo menos, esse era o meu desejo. Afinal, eu precisava de silêncio para escrever.
Ele pulou de volta para o chão e se manteve entretido com uma semente de algo que estava perdida embaixo da estante. Mas dali a uns instantes, a semente já não tinha graça e ele estava de volta no sofá, olhando para mim.

- Que foi? – perguntei seco.
- Nada. – respondeu também seco.
- E por que ‘tá me olhando? – perguntei desafiador.
- Eu olho para onde eu quiser. – respondeu atrevido.
- Você deveria ser mais educado comigo. Sou seu pai. – falei sério.

            Abanou o rabo e fingiu não ouvir o meu protesto.
Ignorei e voltei minha atenção para o computador e para o texto que precisava ser escrito.
            Ele, com seu rabo gingando leve, pulou para cima da mesa em que se encontrava o PC, se aproximou do mouse e esticou a pata, ameaçando bater-lhe. Fingi que não via e continuei a digitar. Com a pata tremendo de excitação, tocou o mouse. Permaneci digitando e ignorando. Bateu com mais força até tirá-lo do lugar.

- Para com isso, menino! – briguei para dar-lhe o prazer de ser traquinas.

            Saiu da mesa e voltou ao chão.
            Deitou-se com as pernas abertas e começou a lamber a própria barriga. Parei de escrever e olhei para ele.

- Por que ‘cê ‘tá me olhando? – perguntou demonstrando aborrecimento.
- Eu olho para onde eu quiser. – me vinguei mais cedo do que imaginava.

            De um jeito muito formal e honroso, parou de lamber-se, levantou-se e saiu.
            Pouco depois, ouvi o barulho de alguma coisa caindo no chão e da minha cadeira mesmo gritei para ele parar de bagunça.
            Como se tivesse se materializado, já estava do meu lado.
            Peguei-o e o coloquei sobre minhas pernas. Fiz cafuné, puxei o seu rabo, beijei, falei com voz fininha, miei de volta para ele e o apertei bastante.

- Até qu’eu gosto de você. – disse-me entre ronronados e risadas.
- Você também não é nada mal. – respondi fingindo indiferença.

            Parou de ronronar no mesmo instante. Mas não recusou os carinhos qu’eu fazia.
Quase voando, saiu das minhas pernas e já estava novamente sobre o sofá. Uma mosca voava baixo e ele encarou aquilo como um desafio. Ela pousara na parede e ele pulava tentando alcançá-la. Por fim, achou a mosca desinteressante e começou a lamber a própria pata. Desconfio que era um ardil, esperando que a mosca voasse baixo outra vez.
No entanto, sua mãe fez um barulho lá no jardim e ele foi ver o qu’ela fazia. Provavelmente, ameaçaria bater nas orquídeas só para ter a atenção da mãe também.

- Trouxe para você.

Disse e depositou a barata quase morta, próximo aos meus pés. Dei um pulo da cadeira e briguei com ele. Passei um sermão daqueles sobre não trazer bicho morto pra dentro de casa. Corri até o banheiro, peguei papel e apanhei a barata, cheio de nojo. Joguei no lixo e voltei.
Ele, não fazendo nenhuma questão de esconder sua cara de ofendido, saiu novamente de perto. A única coisa que tive tempo de ver foi seu rabo agitando no ar.
Finalmente teria a paz que precisava para escrever.

- Vamo’ brincar?

Pediu num miado sapeca e quase me matando de susto, pois eu não sabia qu’ele já estava do meu lado novamente!

- Menino!! Quer me matar? – perguntei colocando a mão no peito para deixar claro que havia me assustado.
- Não. – respondeu parecendo não dar a mínima para todo o teatro qu’eu fazia naquele momento. - Quero brincar. Vamo’?

            Não tinha jeito. Levantei, peguei a varetinha com um barbante amarrado na ponta que, por sua vez, possuía um penacho em sua ponta, e fui para a cama.
            Agitava a vareta para um lado e para o outro. E ele, célere, corria também de um lado para o outro tentando alcançá-la. Agitava, erguia, arrastava...
            Ríamos dessa brincadeira boba. Eu já havia até esquecido do texto e realmente me divertia com aquela brincadeira.
            De repente, ele parou, olhou para o lado e desceu da cama.

- Pr’aonde vai? – perguntei.
- Não quero mais brincar. – respondeu.

            Derrotado, voltei ao PC.

Enquanto escrevo, vejo-o correr pela casa, deitar, dormir, morder, miar, arranhar... Há pouco, gritava para marinheiros invisíveis erguerem as velas e puxarem as âncoras. Provavelmente, naquele instante, ele era um pirata.


(*) TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NA REVISTA ELETRÔNICA VEM-VÉRTEBRAS.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

HISTÓRIAS

Esta história deveria ser uma ficção científica. Porém, por falta de recursos para bancar todos os computadores com luzinhas e *bips*, naves e robôs, tiros com armas lasers, logo foi descartada tal possibilidade. E eu não quero fingir que o elemento humano é o mais importante do que toda a parafernália só porque não posso pagar por isso. Queria sim, uma ficção de ponta!
Sem grana, sem pirotecnia, sem história.
Daí, eu resolvi ir para o terror. Porém, possessão, demônios e afins, não dá. Sou católico demais!; Usar crianças me dá nos nervos; Zumbi, nem pensar!! Tenho um nojo danado daquele povo caindo aos pedaços. Sem contar a parte do canibalismo [S’eles já não são mais seres vivos, é correto ainda considerar tal ação como canibalismo?!]; Palhaços-monstros é uma coisa que não se deve fazer. Palhaços são felizes, gente. E nos deixam felizes também!
Histórias em casas sempre rendem bons sustos. Só que a cada quarto ou curva do corredor dentro da casa, ia me dar um nervoso. Sabe aquela prévia do susto que ‘cê sabe que vai levar, se prepara pra levar e mesmo assim, salta da cadeira de tão forte que é o susto? Pois é. Sem chances, sou cardíaco. Eu morro de medo e sabia que não ia passar da linha dois.
Mais uma vez, ideia abortada.
Uma história de amor seria legal. Mocinho popular e destemido enfrenta tudo e todos só para ficar com mocinha indefesa.
Mas quando você analisa bem, parece uma coisa meio obsessiva da parte do cara. Esse lance de “destemido”, na verdade, é um eufemismo para um sujeito bully, psycho e stalker [perdoem-me por todos os termos em Inglês!]. Logo, não tenho certeza s’esse cara é tão “mocinho” assim. E a mocinha, coitada, coagida por uma pessoa dessas, se sujeita a viver uma relação abusiva, opressora e tudo o mais. Tudo em nome de um romantismo que deveria ter ficado lá com Shakespeare. S’ela tiver lido os livros certos, nem é indefesa, vai dar um pé na bunda desse sujeito e correr atrás da felicidade dela como melhor lhe convém. Sei lá, sendo uma empresária de sucesso, namorando outras pessoas [garotos e garotas ou quem ela bem entender!], tendo um filho sem precisar de um marido ou não tendo filho coisa nenhuma!, ou só vivendo a vida como achar melhor. Portanto, nada de juntar esses dois. Cara mais obsessivo, gente...
Talvez, algo erótico. Um quarto e um casal. Uma música suave, vento balançando as cortinas semitransparentes, o som da pele roçando nos lençóis de seda, gemidos e toques... Tudo em busca de um gozo transcendental. Mas eu só sei escrever pornografia. Não sei se o público vai achar belo quando eu disser que o cara ejaculou muito no rosto da moça e, depois, ela pegou um consolo de 30cm e enfiou todo nele. Aí, dois rapazes fazem um 69 e o casal começa a enfiar coisas neles [nos que estão no 69]. Um bode passa correndo com camisinhas nos chifres e o anão montado no bode se masturba impondo um pênis de 20cm.
Caramba!! Que suruba nervosa!! Melhor, não!
Penso um pouco mais um pouco e começo a ver um cara gordo, sentando de frente para o computador. A perna tremendo. Fumando um cigarro freneticamente. Deve ser o último cigarro da Terra. Acho que escreverei uma história sobre um futuro pós-apocalíptico. O homem nervoso e seu último cigarro da Terra. Será o último homem da Terra também? O que dizimou tudo?
Olhando com mais calma, vejo que sou eu mesmo. E o que está dizimado são minhas ideias! Então, tenho a grande revelação!
Cheguei aqui, na história do contador de história que não sabe qual história contar, então, utiliza o meio mais safado que todo contador de história – safado – utiliza quando não sabe que história contar: contar uma história sobre a falta de ideia pra contar uma história.
É clichê; é fácil [pelo menos, para os contadores de histórias. Principalmente, os safados!]; sempre segura a audiência, pois o público quer acreditar que, desta vez, será diferente [mas não será]; e o contador ganha tempo até a próxima história [qu’ele jura que vai ser diferente e especial! Mas também não será!].
No entant- -
Só um instante. ‘Tou ouvindo um barulho vindo da outra sala. Vou lá ver o que é. Volto já.
***
Oi! Tem alguém aí? O quê??!! Mas o que significa isso??!! Ó meu deus... Que são vocês?! Não! Não!! Não!!! Não!!!!


*bip-bip* aaahhhhh *pew-pew* ai, ai, ai *roawww* aaaaiiiiiiiii... *haHaHahahaAhAAhahahHAHaHAHa* Para!!! *miolooosss...* Sai daquiiii... *Você disse qu’ela iria me amar pra sempre!!* Deixa disso!! *Vem cá qu’eu vou te f#der gostoso!!* Socorroooooooooooo...

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

NORMA JEANE*

Acordei, levantei da cama e, quando me olhei no espelho, um susto! Eu não tinha mais barba, nem tatuagens e pelos por todo o meu corpo. Aliás, o que eu via ali não era nem o meu corpo! Aquele rosto que olhava de volta para mim tinha para oferecer apenas um belo sorriso sensual, cabelos loiro-brancos, um olhar profundo e triste, e uma pele clara e lisa com uma cicatriz no abdômen [que parecia uma tentativa de pedido de desculpas e precisava estar ali para justificar toda a beleza de sua dona!].
Eu era ela, a Diva. Era Marilyn. Sim, Marilyn Monroe.
Estava nua. “Vestindo” apenas duas gotinhas de Chanel nº5.
Sentindo aquele delicioso cheiro em mim e toda volúpia que transbordava de cada gesto meu, percebi-me linda como nunca! Corri ao guarda-roupa e lá estava ele, o vestido branco. Coloquei-o e fui para a rua. Queria ser desejada, queria sentir o poder de ter todos os homens aos meus pés.
Corria pelas calçadas, como uma criança desvairada. Esperando a qualquer momento uma lufada e que meu vestido esvoaçasse para que eu fingisse desespero em cobrir-me, como uma moça pudica. E sorrisse maliciosamente para todos que olhassem, como uma mulher fatal.
Para onde quer que eu fosse, pensava que deveria chegar atrasada. Tal qual quando cheguei naquela festa. E então, diante de todos, usando outro vestido tão lindo e eterno quanto o primeiro – minha falsa pele –, cantei “Happy Birthday, Mr. President” para ele, o meu amor. Nem sei se é o maior de todos como as pessoas adoram falar. Mas, sem dúvida, era alguém que eu amava, sim. Digo isso, porque estou no corpo dela, porque sou ela. Sei que, provavelmente, seria o que ela diria também.
No entanto, ele não foi o único.
Hoje, por exemplo, procurei e dei Amor. Acredito que fui feita para amar. Amar a todos e todas. E, Amor, é o que eu sei dar. Caí nos braços de reis e plebeus!
E nos braços de tantos homens, encontrei adoradores, loucos e apaixonados, que também são loucos. Porém, todos gozavam, mas não gozavam comigo. Gozavam apenas para eles mesmos. Não olhavam para mim. Olhavam através de mim. Nenhum deles percebeu o meu gemido. Um gemido que anseia proteção. Ou o meu olhar vazio e desesperado que procura pelo amor do pai. Um amor que não chega. Que não devolve o amor que eu dou.
Mas, sem pestanejar, eu devorei a todos. Suas almas, agora me pertencem. Suguei suas Vidas e se tornaram apenas zumbis que repetem meu nome como um mantra.
Senti-me uma deusa. Isso me dá a certeza de que sou imortal. De que o Mundo é todo meu. Basta esticar a mão para pegá-lo.
Mas eu mereço esse Mundo? E ele, me merece?
Volto para casa.

À noite, já na cama, sozinha, pensando em tudo o que me aconteceu, após engolir todos os comprimidos e prestes a adormecer, tive uma visão. Consegui ver quem eu realmente sou: me vi Norma Jeane.


TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NO SITE VEM-VÉRTEBRAS.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

COMO EU ME SINTO QUANDO PRETENDO EDITAR ALGUM VÍDEO

DIAS CINZENTOS*

Para ele é tão difícil não saber mais fazer planos. E por mais que queira acreditar que fez tudo que pôde, sempre fica aquela dúvida rondando seus pensamentos: “Fiz tudo mesmo?”
A Vida continua”, dizem-lhe o tempo todo. Mas para ele é tão difícil. Difícil apostar no “cavalo certo”. Difícil se manter firme e em pé. Ele acha que, a qualquer momento, vai despencar de si mesmo. Não sabe mais se seus sonhos, outrora motivadores, hoje não passam de nuvens de fumaça que turvam sua visão.
E assim, não consegue mais distinguir os objetivos, nem os caminhos que levam a eles. E tem que encarar a realidade e o resultado das escolhas [por vezes, erradas], porém, afirma que a Verdade sempre fora o seu farol. Talvez, num desejo de fazer valer cada ação.
Enquanto isso, os outros e outras apenas atravessam sua Vida, e nunca ficam, e apesar da dor, ele sabe que vai sobreviver. E sabe também que é responsável por isso.
Sozinho, amargurado, confuso, apenas ele sobrou para arrumar a bagunça que ficou para trás. E o choro lhe é reconfortante.
Seus sapatos parecem folgados para outros, mas eles nunca os calçarão para saber a realidade. E ele tem que ser forte e não temer o julgamento daqueles que sequer lhe olham de verdade.
Dias cinzentos lhe cobram um tributo alto. Ele só precisa pagar e aguentar um pouco mais.
Manter o fôlego um pouco mais. E até tentar sorrir.
E a Vida continua... Porém, há algo lá no fundo que lhe diz que vale à pena lutar e que ele deve “continuar” – como a Vida.

(*) TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NO SITE "VEM-VÉRTEBRAS".

sábado, 27 de junho de 2015

PORNÔ REBELDE

#TECO#

- O que foi isso?
- Hã?! Nada!
- Por que fechou o notebook tão rápido?
- Por nada.
- Nada? Eu entrei aqui e ‘cê fechou o note.
- Foi coincidência.
- O que ‘cê ‘tava vendo?
- Nada. Por isso fechei.
- Fala logo.
- Ok, eu falo! Eu... ‘Tava assistindo pornô.
- Verdade?
- Aham.
- Deixa eu ver.
- O quê??!! Não!! Pra quê??!!
- Ué, eu quero ver o que ‘cê ‘tava vendo.
- Não!! Claro que não!!
- Por quê?
- Porque vou ficar constrangido.
- “Constrangido”...? Me fala a verdade, o que ‘cê ‘tava assistindo?
- Já falei!!
- Eu quero ver!
- Não!
- ‘Tava assistindo clip do “RBD“ de novo, né?
- Hã?! Quê?! C-claro que não!
- Me mostra.
- ...
- Mostra.
- Ok, ok!! Era clip do RBD, sim!!
- Antes fosse pornô.

- ...

quarta-feira, 10 de junho de 2015

FAKE



"FAKE", primeiro romance de FELIPE BARENCO, conta a história de Téo, um jovem que acaba de entrar na universidade – para o curso de Direito –, é virgem, gay [não assumido para a família] e um romântico incorrigível que vive em um Rio de Janeiro não estereotipado.

Narrada pelo próprio Téo, nós acompanharemos suas relações, seja familiar, amorosa e de amizade. Com seus momentos conturbados – namorar alguém problemático, assumir para família sua sexualidade, manter uma amizade quando sente algo diferente pela pessoa – e/ou felizes – namorar alguém que te faz sentir especial, compartilhar alegrias com os amigos verdadeiros e trabalhar com aquilo que ama.

Felipe Barenco possui um bom domínio da narrativa, com uma escrita irreverente, personagens bem construídos e uma estrutura de escrita diferente da que estamos habituados na Literatura, mas não na vida cotidiana – principalmente àqueles acostumados com redes sociais [Oi? Todo mundo hoje em dia!]. Como o uso de emojis para representar não só as conversas entre personagens, mas também o sentimento deles no momento [eu, por exemplo, fiquei assim ao terminar o livro =) ]. Palavras e frases tachadas [aquele risquinho no meio para fingir uma rasura e ser cool porque escreveu algo engraçaducho, mas mesmo assim quer fazer parecer que desistiu]. E estrutura visual de mensagens [torpedo ou inbox].
Sem contar que acompanhamos a evolução na comunicação à distância, quando cita “telefonemas”, “e-mails”, “torpedos”, “Orkut” [sdds], “MSN” [ <3 ], “Skype” e “Facebook” [não chegou ao “Whatsapp”].

A cada nova página, Téo nos surpreende e/ou emociona com momentos de tensão, dúvida, dor, arrependimento, desejo, perda e perseverança. E mesmo sendo ele o narrador, de alguma forma, compreendemos que ele é justo com todos os personagens que orbitam sua história/Vida sem parecer que está nos manipulando através da sua verdade [Bentinho ficaria orgulhoso, ou com inveja]. O que nos leva a amar alguns [Tiago, Tia Eleonora, Vó Maria Helena, Fernanda, Guilherme e Lulu!] e odiar outros [todos na sala olham para Davi neste momento].
Sem dúvida, o livro desperta em nós um desejo de que ele poderia – e DEVERIA – ser “maior”, ter muito mais páginas, só para que pudéssemos ter capítulos exclusivos para cada um desses personagens tão cheios de vida! Sério, quem não iria querer saber um pouco mais sobre o Guilherme, Fernanda ou Lulu?! rs

O livro possui uma diagramação bonita e uma capa simples e belíssima.
É inevitável a identificação não só com a história ou o personagem principal, mas com todo o universo construído, pois ele, o livro, aborda de forma muito natural as consequências das decisões  que fazemos nesse meio tempo entre nascer e morrer que chamamos de “Viver”.

Apesar de ser um romance e o personagem ser um romântico incorrigível, “Fake” não se propõe ser uma historinha de amor melosa e feliz. O livro trata de relacionamentos em todas as suas esferas; escolhas – as certas, as erradas e as duvidosas –; e, talvez, principalmente, fala sobre o amor próprio.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

ELE, EU, ELE*

            Ele... Eu... Ele... Sei lá! Vou chamar de “ele” mesmo sendo “eu”.
            Ele andava na mesma calçada que eu, mas no sentido contrário. Esbarrou em mim. Caímos. Ao olhar para ele... Era eu!!
            Não consegui levantar. Ele riu, levantou-se e estendeu a mão para me ajudar como se tudo aquilo já estivesse combinado.
            Continuei imóvel. Ele riu de novo. Aquela gargalhada gostosa. Ou melhor, a minha gargalhada gostosa!
            Mais uma vez ofereceu a mão para me ajudar a levantar. Aceitei. Mão forte e ao mesmo tempo delicada.
            Apontou para um bar perto e me ofereceu uma bebida. Argumentei que as pessoas achariam estranho. Ele questionou o que seria estranho, pois, pensariam, no máximo, que éramos gêmeos. Fazia sentido. Mas... “Você sou eu!”, protestei. Ele riu. “Ninguém pensará assim”, disse e foi em direção ao bar.
            Entramos e ninguém pareceu nos notar – fiquei mais tranqüilo. Fomos para a mesa que fica ao fundo. Pedimos a mesma bebida: uísque puro, ou cowboy [assim mesmo, falando em inglês]. Pelo menos, no futuro, vou continuar bebendo a mesma coisa. De repente, isso me fez pensar: Ele, eu, ele é do futuro?
            Percebi que olhava para mim. Um olhar tão doce, solitário, triste. De menino que olha o brinquedo na vitrine da loja. Fiquei sem graça e virei o rosto para o lado. Depois, decidido, voltei a falar: “Você sou eu!” Ele ficou em silêncio, apenas me encarando. Repeti: “Você sou eu!”. Mas fomos interrompidos pelo garçom que trazia nossas bebidas. Ele virou em um só gole, do jeito que eu faço. “Bebe, vai”. Também virei o meu. Estendeu a mão para o alto e pediu ao garçom mais duas doses. E assim, ficamos a noite toda, bebendo em silêncio.
Após algum tempo, perguntei o que ele, eu, ele fazia aqui. “Vim encontrar você”, respondeu displicente. Então pegou minha mão e disse, “Me leva pra sua, minha, nossa casa”, e sorriu. Foi a minha vez de ficar calado. Levantou-se e me puxou pela mão e disse que sabia o caminho. Saímos do bar e pegamos um táxi. “Rua assim, assim”, falou ao taxista. Daí olhou para mim com um ar maroto como quem diz “Viu, eu sei!”.
            Ao chegarmos em casa, foi até o som e colocou a minha, nossa música preferida e me puxou para dançar. Mesmo longe dos olhares reprovadores, fiquei constrangido. Abraçou-me apertado e sua respiração forte fez os pelos da minha nuca eriçarem. Mais uma vez, olhou fundo em meus olhos. Ah, aquele olhar!
            Apesar de não ver rugas em seu rosto, sentia, sabia que ele era mais velho que eu. Não me contive e perguntei:
- Você veio do futuro? “Por que acha isso?”
- Então, veio do passado? “Por que acha isso?”
- Somos a mesma pessoa e, além de absurdo, isso não pode acontecer, pois—E exatamente como fazem nos filmes, ele colocou o seu indicador em meus lábios, me calando. “Shhh... Nada importa. Apenas o fato de que eu estou aqui”.
Encostou o rosto no meu. Sua, minha, sua barba por fazer quando roçou na minha pele me deixou tonto, então, ele, eu, ele me beijou apaixonadamente. Tirou minha roupa, tirou sua roupa. Abraçamo-nos e, aos beijos, fomos para a cama. Com força, me virou, puxou meu cabelo para trás e entrou em mim – eu entrei em mim – como nunca nenhum outro entrou. Senti tudo de uma forma totalmente nova. Podia sentir ele, eu, ele em mim. E sentia eu, ele, eu nele.
            Quase em êxtase, sussurrei: Nada importa. Só que ele, eu, ele está aqui.
            E como uma onda cálida banhando nossos corpos, gozamos.



(*) TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NO SITE VEM-VÉRTEBRAS.

domingo, 31 de maio de 2015

CARTA À RUTH ROCHA*


Sra. Ruth Rocha,


Venho por meio desta, não tentar convencê-la que “Harry Potter” É Literatura, mas sim, partilhar o quanto é prazeroso a leitura da série em questão [e pode ser para a senhora também!].
No mundo em que vivemos, estamos sempre presos à correria do dia a dia, e sem tempo para se dedicar a uma qualidade de vida saudável. Não nos resta mais assunto interessante para dialogarmos em casa, pois tudo o que vemos é violência, miséria, dor, fome, guerras e a tal da “corrupção”. Somos inundados, e até mesmo, invadidos, por tanta coisa ruim que nos tornamos pessoas "duras".
Aí, a senhora poderá me perguntar, "E o que Harry Potter tem a ver com isso?", e eu lhe respondo: Tudo!!
Estamos falando de um dos maiores fenômenos literários dos últimos tempos. Escapismo, sim! Mas não menos qualificado do que outras obras.
Uma história na qual nos é apresentado a figura do mal em um dos seus piores aspectos. Porém, é claramente exaltado valores como: Amizade; Lealdade; Amor; Família; Honra; entre tantos outros. Além do mais, é o tipo de Literatura que funciona para todas as idades! Ou seja, não só os jovens leem, mas o seus pais também. Olha só que genial!! Uma época na qual os filhos cada vez mais se distanciam dos pais, e os pais não sabem como se aproximar dos filhos, eles [os pais] têm a chance de compreender por que suas crianças são tão fascinadas por esse “mundo mágico” e terão um assunto a mais para conversar com elas.
Acho também que a senhora poderia/deveria rever sua posição em relação a classificar isso ou aquilo como Literatura ou não. Pois me parece que há uma confusão [e fusão] entre o gosto pessoal [nada mais natural não gostar de algo] e o peso da sua opinião como escritora e formadora de leitores.
Quero salientar que, não estou aqui com o propósito de catequizar ninguém, mas sim, de partilhar a opinião de alguém que ama a Literatura desde sempre, que já leu Clássicos Nacionais e Internacionais, porém, não se priva de experimentar coisas novas e não tão formais. No entanto, entendo que o mais importante seja se jogar e experienciar o fantástico mundo da leitura [inclusive, li muitos livros seus e os ADORO!].
E o mais importante, poder viajar por um mundo fantástico, cujo meio de transporte é o Livro.


Sem mais, subscrevo-me,



Danilo Maia


sexta-feira, 29 de maio de 2015

VALKIRIA


Senti sua mão – bem leve – na minha coxa. E eu fingi que dormia.
De repente, sua respiração ficou mais forte e seu hálito quente na minha nuca me deixou toda arrepiada.
Você, sentindo meu arrepio, me tocou com mais firmeza! Por mais que fosse impossível fingir estar dormindo, continuei parada e deixei você na condução do meu prazer.
Me tocando com suas mãos quentes, me virou e, beijando meu pescoço foi subindo até chegar à minha boca. Você sabe como aguçar todos os meus sentidos.
Quando se aproxima dos meus lábios, me beija com vontade e os morde! A sua língua encontra a minha, e então, elas se tornam duas serpentes, se enrolando e inoculando uma na outra o veneno da paixão!
Desliza a mão pelo meu corpo todo, me acariciando, enquanto eu, com as minhas mãos, as enrosco nos cabelos da sua nuca.
Minha camisola, leve e solta, sobe e desce conforme sua mão passeia em mim. E numa dessas, sua mão sobe muito mais que antes até chegar aos meus seios.
Quando sentiu os biquinhos endurecidos eu sei que a vontade é de parar de me beijar e vir se deliciar neles. Não demora e sua boca suga meus seios e os mordisca, me causando um misto de prazer e dor.
Meu tesão aumenta e começo a esfregar minhas pernas nas suas, enquanto você vai arrancando a minha camisola.
Minha mão vai descendo da sua nuca até chegar ao seu pau. Ao senti-lo duro, minha calcinha molha instantaneamente.
Você coloca a mão na minha boceta e a sente molhada. Isso faz você ofegar e sorrir de satisfação.
Não aguentando mais, empurro você contra a cama e monto. Nossos corpos ficam febris de paixão e suados de desejo. O seu pau em riste, dentro e fundo, me faz estremecer e faz de mim o seu estandarte. Minha boceta se torna o arauto do nosso gozo. Gemidos, arranhões, mordidas, suspiros, os nossos sexos estão encharcados de desejo e o nosso movimento alucinante nos dá a visão do orgasmo que está por vir.
Cavalgo, cavalgo, cavalgo, cavalgo loucamente... Sou uma amazona...

E, juntos, chegaremos no Valhalla.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

segunda-feira, 4 de maio de 2015

E SE...?*

- E se...? – falou alto, com a voz rouca de quem acabara de acordar.

Esse sempre era o seu primeiro pensamento do dia. Mal abria os olhos e vinha uma cascata de dúvidas desabar sobre ele.

E se tivesse tomado qualquer outro caminho que não os que o trouxeram até ali?

E se tivesse escolhido a Pílula Azul? Viveria hoje em uma casa igual a cem outras, com um balanço na árvore e uma cerca branca de madeira?

E se tivesse dito “não!” ao convite daquela moça? Teria sofrido menos depois? Teria amado mais, outra pessoa?

E se tivesse fugido da sua cidade natal? Encontrar-se-ia em uma Vida de bem-
aventuranças agora ou estaria em outro beco sem saída?

E se desistir da Vida agora? Por quanto tempo sofrerão por ele? Será se sofrerão?

E se, do jeito que está, na verdade, já desistiu da Vida? E, anestesiado, estagnado, vive um falso-viver?

E se? E se? E se? E se? - repica o sino das suas culpas.

- E se...? – fala mais uma vez, mas apenas sussurrando, puxa o cobertor pra si e dorme um sono profundo.



(*) TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NO SITE "VEM-VÉRTEBRAS".

quarta-feira, 29 de abril de 2015

CLAYBOM*

Quando eu comentei que morria de raiva e inveja de pessoas talentosas, ela disse que fazia sentido, afinal, eu não tinha talento algum.
Só depois de concordar é qu’ela afirmou ser uma ironia.

- Não há espaço para ironia aqui. A conversa é séria e eu realmente não tenho talento. – revidei.
- Cala a boca. Tua voz é gostosa quando fala sacanagem, mas quando resolve sentir pena de si, nossa, é um saco.
- Eu não ‘tou sentindo pena de mim. Falei a verdade e pronto. Só isso.
- Tua verdade é um saco. Aumenta o volume dessa música – é a minha preferida – e vem me beijar qu’é mais proveitoso.

Enquanto a música tomava conta de todo o cômodo, o incômodo tomava conta de mim. Pensava num argumento para contra-atacar. Tinha que dizer algo.
Ela, sempre lendo os meus pensamentos sem minha autorização, me veio logo com um “Já disse pra calar a boca. Se não for falar sacanagem no meu ouvido, nem começa!”. Parei com a mão no ar e a boca entreaberta. Por fim, falei:

- ‘Tou proibido de falar na minha própria casa?!
- Se for falar merda, sim.
- Às vezes, é necessário dizer algo sobre o que nos atrasa. Coisa de análise e tal.
- É necessário dizer sobre o que nos move. Coisa de atitude e tal.

Ela sabe debochar de mim como ninguém. E me desarma fácil. Eu, tão bom em argumentar, incrivelmente, perco a briga sempre. Não qu’eu queira ganhar, mas... Ok, eu quero ganhar, sim. Admito.

Aumento um pouco mais o volume da música e vejo o tão pouco conhecido silêncio – que há entre nós – se perder naquele ritmo, dançando freneticamente. Enquanto nós ficamos parados imitando as estátuas da nossa sala: Vênus de Milo e Davi de Michelangelo. Patéticos, mas ainda apaixonados. Ou, apaixonados patéticos. Porém, nem um pouco parecidos com “casal de margarina”. Uma coisa é certa, a gente não tem vocação para ser aquilo.
Há paixão e fogo na nossa relação. Parece que estamos sempre buscando uma briga pra sacudir e nos tirar da mesmice. Acho até que a gente se alimenta disso.
“Dois doidos dividindo dores, discussões, desilusões, desentendimentos, devaneios e delírios”, penso.
Enquanto isso, ela olha pra mim e sabe que ‘tou divagando. Ri do meu jeito disperso.
Gosto dessas brincadeiras com palavras, isso me faz pensar que ‘tou fazendo poesia. Mas eu sei que não. Não tenho esse talento também.
Isso!! Lembrei de um talento! Finalmente sei o que dizer:

- Talvez o meu talento seja reclamar... – falei assim, displicente.
- Sabe, vou concordar com você. Há uma sofisticação na tua reclamação. Apesar de ouvir todos os dias, nunca me parece repetida. Gosto dessa novidade que você traz. O frescor do teu mau humor é requintado.
- A tua ironia também. – replico.


            A gente ri. Pausa na briga. Nos beijamos.



(*) TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NO SITE "VEM-VÉRTEBRAS".